O evento Fair Ideas teve fim no dia 17 de junho e foram
ministradas diversas palestras durante todo o dia.
Uma das palestras teve como tema “Para que os investimentos agrícolas
funcionem para pequenos agricultores”, e teve como presidente da sessão Lindiwe
Majele Sibanda, Presidente-Diretora-Executiva e responsável da Missão
Diplomática da África do Sul, além de os palestrantes Ruud van Eck, Diretor da
Diligent Energy Systems, Sara Namirembe, analista de pesquisas e coordenadora
do Pro-poor Rewards for Environmental Services in Africa (PRESA) e Alessandra
da Costa Lunas, da Conferência Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
O objetivo da palestra foi discutir sobre o investimento do setor
privado na agricultura, com um foco nos modelos de investimento que apoiam e
reforçam as aspirações dos pequenos agricultores.
Alessandra comentou sobre os dados da
agricultura familiar no Brasil: “Os dados oficiais são de que existem 4,5
milhões de propriedades agrícolas familiares, sendo que esses dados na verdade estão
muito abaixo dos valores reais, devido à falta de regularização fundiária.
Estima-se que estas propriedades atinjam cerca de 20% do território brasileiro,
sendo que 70% dos alimentos que vão as mesas dos brasileiros provem delas”.
Comentou também sobre a necessidade de se reconhecer e identificar as famílias
que trabalham na própria terra e usam da mesma para se alimentar e sobreviver.
Alessandra prosseguiu dizendo que além da
identificação das terras, existe a necessidade da criação de politicas públicas
que proporcionem formas de investimentos que sejam capazes de fortalecer a
agricultura familiar. Investimento em tecnologias, por exemplo, além de uma reforma
agrária integral, que em outras palavras é o acesso a terra com políticas
publicas estabelecidas que atingissem todas as necessidades da família, dando
condição de gerirem suas propriedades para que possam produzir e também comercializar
alimentos.
Durante a palestra foram feitas comparações
entre a agricultura familiar brasileira e africana. Sara disse que na África do
Sul chama-se de fazenda de pequena escala, e que a terra tem até dois hectares,
e uma média de seis pessoas vivendo na mesma. Há uma diferença entre as
propriedades próximas a centros urbanos e propriedades localizadas em zonas
rurais. As mais próximas tem fácil acesso ao mercado local, já as que
permanecem nas áreas rurais tem menos benefícios em termo de estrutura. Ambas se
alimentam da própria produção, porém as localizadas em áreas rurais são mais
voltadas ao gado. Não há documentações ou registros, o que dificulta o
conhecimento do real funcionamento dessas fazendas.
Nos dois países há desafios, ambos procuram
maiores investimentos de terra e legislações mais rigorosas. Alessandra disse:
“Temos discutido bastante esses desafios comuns. No Brasil mais de 50% dos
pobres estão nos campos“. Prosseguindo sua fala, disse ainda: “África e América
Latina são os dois continentes que recebem maiores investimentos de setores
privados, devido a grande quantidade e qualidade de terras e climas bons. As agriculturas
empresarial e familiar são difíceis de conciliar, pois existe uma grande diferença
de interesse entre as duas. Em geral as empresas tem interesse no mercado e no lucro,
diferente da agricultura familiar que visa à sobrevivência. O que se pretende é
realizar o empoderamento dessas famílias para que possam ascender, para serem
incluídas socialmente. A agricultura familiar gera quatro vezes mais empregos
do que a agricultura empresarial na mesma quantidade de terra”.
Ruud representou o setor privado na palestra.
“O passo inicial para irmos para a Tanzânia foi a produção de biocombustível,
já que tínhamos a necessidade de grandes terras, o que não possuíamos na
Europa. A ideia de irradicação da pobreza veio depois.”
Ele apresentou o projeto que desenvolve com
propriedades de agricultura familiar, nas quais os produtores fornecem óleos e
sementes para sua empresa, que são exportadas e transformadas em biocombustível.
Dessa forma gera-se outra forma de renda para esses agricultores.
Ele foi questionado em relação ao risco que
esses agricultores correm, e como resposta disse que algumas medidas e
exigências são tomadas para não prejudicar esses agricultores e evitar riscos,
como não permitir o uso de mais de 50% das terras para produção voltada ao
biocombustível. “O que o setor privado está fazendo é criar uma rede de
proteção aos agricultores familiares. O que fazemos, e na realidade isso está
ligado ao risco, é o reinvestimento na infra-estrutura. Não devemos reduzir a
produção de comida desses agricultores, pois a primeira renda vem daí”,
completou.
Uma das reclamações de Ruud foi de que as
políticas públicas da África são fracas, e que só não vendem o biocombustível
no mercado local, pois não existe uma política que permita isso, e por isso é
obrigado a vender para a Europa ou EUA.
Segundo Lindiwe, esse projeto permite que esses
produtores utilizem partes da terra que não usariam para nenhuma outra
finalidade para produzirem essas sementes e assim ter outra forma de renda,
dessa forma reduzindo a pobreza na África. Isso gera um encorajamento desses
agricultores para que realizem negócios com pessoas como Ruud.
Quando questionado em relação à renda que esse
projeto gera aos agricultores, Ruud disse que é um acréscimo em torno de 300
dolares anuais para esses familiares. Apesar de pouco, isso não interfere nas
atividades anteriores da família, pelo contrário, gera um acréscimo na renda.
Ainda está em fase de desenvolvimento, e não se sabe ao certo como vai fluir
esse projeto, mas pesquisas estão sendo realizadas.
Alessandra foi questionada sobre haver algo
parecido no Brasil, e quais as dificuldades encontradas, e respondeu: “Mesmo
com as dificuldades que ainda temos de assistência técnica, demos passos
grandes. Aqui é muito eficiente a agricultura familiar. A dificuldade é
exatamente de os países olhem para esse setor como um setor estratégico, e
estabelecer formas para que as propriedades tenham outras formas de renda.
Quando vemos uma terra arrendada para agro combustível, os contratos são de até
50 anos. Quando a terra for devolvida, as terras não terão condições de
trabalho graças aos grandes insumos e agrotóxicos aplicados. A ausência de
política publica para fortalecer mercados locais também é outro problema. O que
se deve realizar é a rastreabilidade da agricultura familiar brasileira. Por
exemplo, a produção de leite por esses familiares é extremamente significativa,
mas esse dado desaparece quando sai da propriedade e chega às grandes empresas
de laticínios. A ausência de dados é muito significativa. 28% da agricultura
familiar também faz parte da exportação brasileira. Podemos utilizar o Biodísel
na agricultura familiar, como alternativa de renda e empoderamento das próprias
famílias sejam em forma de cooperativas ou individualmente. Para isso precisa-se
de uma identificação das áreas de agricultura familiar. Há também o Programa
Nacional de Alimentação Escolar do Brasil, no qual a escola pode consumir
alimentos saudáveis que vem desses agricultores localizados próximos a ela, ao
invés de iniciar parcerias com as empresas privadas”.